Sandro Freitas: O desenhista

“Moda para mim é uma ferramenta política e de comunicação. Ela é como um livro que conta uma história de um determinado momento da nossa vida, de onde a gente está inserido”

Foto: Acervo Berimbau Brasil (Sandro Freitas)

“Berimbau Brasil”, a moda afrofuturista, afro-brasileira e afro-indígena de Sandro Freitas, começou em seus desenhos feitos quando ainda era criança, no Maranhão. O que eram rabiscos se tornaram imagens, para depois serem denominados croquis. Sua primeira modelo foi sua irmã, Fabiana, que posou para os esboços deste estilista em desenvolvimento.

Aos 14 anos, teve suas primeiras aulas de costura com uma vizinha, e por mais que não tenha aprendido todas as técnicas, foi um dos seus primeiros passos em direção à sua futura carreira. Por conta da falta de cursos que oferecessem qualquer tipo de contato com a moda, ao longo da sua infância e adolescência, foi se cercando de pessoas que estivessem minimamente atreladas a esse mundo, na intenção de se preparar para sua futura profissão.

“Desde criança gostava da forma com que as pessoas se vestiam e de me comunicar através da roupa”, comenta Sandro.

Mas foi o amor que uniu definitivamente Sandro com o estilismo. No caso, o amor de seu tio, Francisco, pela noiva, Marilu Frazão, uma estilista. Quando conheceu sua futura tia, Sandro estava fazendo o que sempre fazia: desenhando croquis. Ao vê-lo, Marilu confessou que era uma carreira desafiadora, mas tentaria arranjar uma vaga para ele na empresa onde trabalhava. Assim, pegou emprestado um papel e desenhou uma mulher com um vestido florido. Momento e esboço que Sandro guarda até hoje. 

Atualmente, quando se lembra deste dia, Sandro refere-se ao livro “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell, colocando Marilu na figura de “mestre”, ou “sábio”, que ajuda o personagem principal a alcançar seus objetivos. Dito e feito. Aos 15 anos, Sandro se mudou para São Paulo, finalizou o Ensino Médio e arranjou seu primeiro emprego como confeiteiro para juntar dinheiro para o seu curso de Moda.“Eu comecei tudo muito jovem. Sempre soube o que eu queria, então eu comecei a trabalhar cedo para juntar grana e poder bancar a faculdade”, acrescenta o jovem estilista.

Aos 17 anos, começou a cursar Moda, Estilismo e Coordenação no Senac, onde finalmente pôde ter contato com pessoas que de fato estavam atreladas à cadeia. Porém, nem eles foram capazes de ajudá-lo a conseguir um emprego na área. Com 18 anos, e de certificado na mão, Sandro demorou um ano para conseguir sua primeira oportunidade na área que almejava desde cedo. A cada vaga perdida, a justificativa era a mesma: “não tem perfil”. 

“Quando as pessoas me veem, elas falam que eu sou muito jovem e não tenho cara de ser um estilista porque eu tenho um perfil comum. As pessoas criam um estereótipo para quem trabalha com a moda e da forma com que ela se veste e se comunica, mas esses artifícios para um nordestino, gay e que cresceu em um lugar simples são quase inalcançáveis”, explica o maranhense.

Mesmo que tenha conseguido uma oportunidade como assistente de estilo na Rua das Noivas e, posteriormente, em um ateliê localizado no Morumbi, as respostas do tempo em que passou procurando vagas não saíram da cabeça dele. “A moda tem um perfil?”, pensava. Pelo que pôde perceber naquele momento, sim. O estereótipo de como deve ser um estilista impediu que Sandro trabalhasse por um ano e, quando finalmente entrou no mercado, viu que aquilo não o representava. Calças, blusas, camisetas, produtos, sendo produzidos ou consumidos por ele, o fizeram repensar seu papel na indústria, até o ano de 2014. Na época, conheceu lugares, eventos e festas, onde pessoas de todo o Brasil falavam sobre brasilidade, identidade racial, de gênero e a cultura. Assim, Sandro começou a entender qual poderia ser seu papel dentro da indústria.

No mesmo ano, começou a trabalhar com a marca africana “Mama Nossa Cultura” da estilista senegalesa Soda Diop. Dentro da empresa, teve a oportunidade de ficar por 4 anos na Bahia, para pesquisar mais sobre a cultura. Lá, teve contato com pessoas que praticavam uma moda voltada à sustentabilidade, ancestralidade, autenticidade e afetividade. Em suas palavras, teve uma reeducação na moda. Nasce assim a Berimbau Brasil.

“Quando voltei da Bahia, percebi que havia muitas pessoas empreendedoras, que arregaçavam as mangas e faziam acontecer. Isso me deu um insight de empoderamento, me fez perceber que poderia criar minha marca e que não precisava de muita grana. Poderia começar e depois aperfeiçoar”, reflete Sandro.

Inaugurada em 2018, o estilista buscou trazer todas as suas experiências e estudos para a sua marca, finalmente ciente de seu lugar dentro da indústria. Seria uma moda nichada, mas que contribuiria para a representatividade e história. “Berimbau Brasil” é definida como uma marca afro-indígena e afro-brasileira, por conta das raízes de seu criador, como explica Sandro.

“Quando fui decidir o nome, pensei que deveria ser algo que representasse subjetivamente a pauta da marca. Quando era mais jovem, estudava capoeira no Maranhão, e foi um momento simbólico na minha vida, pois me conectou como pessoa afro. Então, a “Berimbau Brasil” é um nome subjetivo que remete a uma marca voltada para um público afrodescendente e afro-indígena”.

Após a criação da marca, o mais novo empreendedor ainda teve que trabalhar para a estilista Soda Diop para poder sustentar a si mesmo e o início de seu sonho. Quando não trabalhava, estudava para aprimorar a Berimbau e transformar seu conceito em produto. Seus primeiros clientes foram seus parentes e amigos. Para concretizar seu valor no mercado, Sandro foi atrás de consultores e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), e assim viu sua marca florescer. 

Com o tempo, seu propósito começou a conquistar pessoas pelo Brasil, e o que antes era um instrumento de incerteza para sua própria família tornou-se uma porta para sua autodescoberta. A representatividade afrodescendente presente na marca de Sandro traz identidade às pessoas pretas no Brasil, pois busca produzir produtos que representem a cultura afro-brasileira. 

“A gente ainda tem uma visão muito caricata da moda afro. E eu estou buscando cada vez mais trazer essa moda com um olhar único, sensível e com criatividade. A moda afro de que falo expressa a identidade da comunidade afro-descendente, no entanto, como nós somos brasileiros, essa identidade é muito particular do nosso país e de cada estado. Então, busco olhar cada vez mais para o Brasil e produzir uma moda que narre nossas próprias vivências e verdades, e não um olhar da diáspora para fora, mas da diáspora para dentro. Ser afro-brasileiro, em si, já é uma identidade”, explica o jovem sobre o conceito da marca.

Hoje, a Berimbau Brasil, comandada pelo estilista de 29 anos, conta com um time para a sua produção e se consagrou como a única marca maranhense presente em uma semana de moda, a Casa de Criadores.

Foto: Acervo Berimbau Brasil (Sandro Freitas)