O Futuro

Foto: Mariana Bruno

Quando nos referimos aos jovens, nós automaticamente os associamos ao futuro, seja de dada profissão ou do mundo. Mas quando tratamos da perspectiva para o cenário do planeta daqui a alguns anos, a resposta é, no mínimo, pessimista. Daniele Leite, autora do livro Futuro da Moda: Tecnologia, Sustentabilidade e Personalização, comenta o impacto que a decisão desses jovens pode ter em nossa sociedade. 

“É um desafio grande para o jovem estilista escolher qual caminho ele vai trilhar, porque se ele escolher o ético, ele vai escolher um caminho estreito e pode ser que tenha muita dificuldade e que sua marca não vingue, dure pouco ou tenha um lucro menor. Ou ele vai seguir um caminho mais fácil.”

Apesar do sonho compartilhado entre os jovens estilistas de ascender na indústria de moda brasileira, seria a criação de uma marca a maneira mais justa de tratar o nosso ecossistema atual?

“Uma vez vi uma palestra que eu achei muito engraçada. Falaram que, se você quer criar uma marca de moda e não pensa em globalizá-la, você vai ficar pobre para sempre. E eu acho que se a resposta for ficar pobre, eu prefiro. Não quero contribuir para essas coisas, ter uma supermarca para engolir todas as tendências do dia a dia, que precise de alguém para trabalhar para mim de forma escrava ou precise produzir tecidos que vão prejudicar o meio ambiente. Não adianta nada eu criar e produzir o mais belo se as pessoas que vêm da mesma realidade que a minha não vão conseguir acessar. Não é essa a minha realidade, eu não estou lá em cima. Eu vivi em chão de fábrica, sei a forma como um chefe trata seu empregador”, expõe Kiara Valentiene, 19 anos, estudante de Moda do Senac.

A indústria de moda mundial é responsável por até 10% da emissão de CO2, de acordo com dados da ONU (Organização das Nações Unidas), que pede para que os consumidores do setor sejam mais conscientes em suas escolhas. Apesar dos impactos negativos, o consumo não para, aliás, o mercado de vestuário é um dos mais lucrativos no mundo. O debate é longo e, segundo Giovana Crosara, desafiador.

“Nós tentamos pensar em alguns detalhes que vão chamar a atenção do cliente, além de nos posicionarmos a favor da sustentabilidade. É claro que através da indústria têxtil a gente não consegue tanto, até por conta da competitividade de valor. Como somos uma marca pequena, a gente não consegue pagar tecidos absurdamente caros, porque tecidos sustentáveis são mais caros. Então, uma das coisas que eu sempre faço é o reaproveitamento de tecidos”.

O preço de uma peça sustentável é relativamente maior do que as demais e isso está relacionado ao valor dos tecidos. Apesar das técnicas adotadas pelos profissionais presentes no mercado, como upcycling (Reaproveitamento de tecidos para a produção de uma nova peça) e o slow fashion (“moda lenta”, desacelera a produção e o consumo), marcas relacionadas à moda rápida crescem. Segundo a pesquisa com foco na Geração Z realizada em 2023 pela FFW em parceria com a consultoria estratégica Dezon, os consumidores do mercado da moda não compram produtos sustentáveis, pois acreditam que os preços são muito altos. Esse resultado reflete a predominância das gigantes do fast fashion, como a Shein.

“As pessoas lutam muito por sustentabilidade, mas elas esquecem que elas clamam por mais. Essa globalização sempre quer mais, quando uma tendência na moda é lançada, as pessoas querem isso, querem aquilo. Não tem como só cobrar apenas dos criadores de moda se essas pessoas não praticam a sustentabilidade. Você preza pela sustentabilidade, quer ajudar o meio ambiente, mas não quer pagar o preço? Então compre na Shein, onde quem produz é escravizado, os tecidos e os insumos são poluentes”, ressalta a estudante Kiara Valentine.

Como empreendedora, estilista e criadora de conteúdo, Giovana Crosara usa a sua voz como uma forma de defesa de um consumo consciente e ressalta a importância de marcas slow fashion. A dona da GIC comenta sobre as dificuldades em seu posicionamento como influencer de moda e beleza dentro desse cenário.

“Hoje no Instagram você não pode falar muita coisa senão você está invadindo o outro. O que eu tento é não julgar, mas tento orientar para conscientizar. Então eu não posso falar, “não comprem fast fashion”, porque o que eu escuto é: ‘mas eu não tenho condição de comprar o slow fashion’ e como que eu vou questionar essa pessoa? Cada um tem a sua realidade, então eu tento mostrar os prós e contras de você consumir peças baratas, com péssima modelagem, que você vai usar no máximo umas 10 vezes e depois vai ficar horrorosa. Do que você comprar uma de R$300, que vai valorizar o seu corpo e vai melhorar sua autoestima e que vai durar por muito mais tempo”.  

Em contrapartida ao estudo realizado pela FFW e a Dezon, uma pesquisa do projeto 18/34, do Laboratório de Pesquisa da Escola de Comunicação da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS, revela que pessoas da faixa etária de 18 a 34 anos têm tido mais interesse em sustentabilidade, tecnologia e inovação. O professor de Moda no Senai, Matheus Souza, fala sobre suas percepções a respeito dos jovens no mercado atual.

“Eu percebo particularmente que os alunos vêm com uma ânsia muito grande de atuar no mercado. Ele vem com um brilho no olhar, um desejo de fazer a diferença, principalmente onde ele quer atuar”.

O estilista e dono da Berimbau Brasil, Sandro Freitas, se preocupa em trazer atitudes mais conscientes em sua marca. “A primeira atitude que a gente implementou da Berimbau foi por meio da reutilização de resíduos têxteis (…) Então, pela marca ter tido muita dificuldade para ter recursos de matéria-prima, sempre buscamos utilizar todo o resíduo para fazer as peças e isso se transformou em um ponto forte da Berimbau. Hoje em dia, a questão da sustentabilidade é algo que estamos tentando ampliar cada vez mais, pensando em novas possibilidades e não só reutilizando os resíduos, mas pensando em matérias-primas feitas de algodão sustentável, por meio de sacolas recicladas”. A partir dessas atitudes, o cenário da moda como conhecemos atualmente pode finalmente tomar outros rumos.

“A moda, quando a gente vai usar a acepção que vem lá do latim “modus”, significa “maneira de”. Se a gente olhar por esse lado, todo mundo faz sua moda todo o dia, porque todo mundo tem uma maneira de combinar uma coisa ou outra, e ela é uma forma de expressão. Revoluções tiveram a moda, nesse conceito, como os movimentos dos anos 70, com os hippies. Então, a moda é como um termômetro de como a sociedade está evoluindo, tanto é que a gente vê a questão da moda e da tecnologia, a inteligência artificial trabalhando juntos”, comenta Danile sobre o papel da moda na sociedade.

A resposta desses novos profissionais às questões da sustentabilidade deve ser ouvida, visto que eles têm o poder criativo e transformador em mãos. Para o criador da 011Haus, Felipe Freitas, o “amanhã” do mercado da moda deve seguir os seguintes preceitos:

“Para mim, trazer a sustentabilidade e o slow fashion em tudo será o futuro da moda. Eu acho que tudo pode ser sustentável se você trabalhar bem os conceitos”.

Apesar do consumo desenfreado que enfrentamos na era da “ultra fast fashion” e do impacto negativo da indústria no meio ambiente, os mais novos estilistas apresentam novas iniciativas para o mercado. Dessa forma, a opinião desses jovens importa. O futuro está em suas ações e percepções. Tratando-se de moda, um setor tão cultural, comunicativo, político, poluente e consumista, boa parte das escolhas desses profissionais poderá moldar a arara ou a compra online mais próxima de você.